Na atmosfera familiar do Teatro Aberto, a peça Tempestade Ainda é incomum. Esta peça, que teve a sua estreia absoluta em 2011, desafia as convenções ao incorporar o próprio escritor, Peter Handke, como protagonista – a personagem do «Eu». A narração é um ponto vital nesta escrita dramática épica onde Handke une a epopeia ao drama. Ele mergulha nas suas raízes eslovenas e explora os relatos dos seus antepassados durante a Segunda Guerra Mundial na região montanhosa da Caríntia, Áustria.
Esta jornada através do tempo e da memória apela ao coração da audiência; o escritor desafia as fronteiras entre a realidade e a ficção, entre o passado e o presente, convidando o público a refletir sobre as suas próprias raízes e conexões com a história. Peter, o narrador-personagem, assumindo o papel de «Eu», é confrontado com as histórias dos seus parentes maternos, que sofreram sob o jugo nazi. A proibição de falarem a sua língua, a obrigação de servir no exército alemão e a resistência dos partisans nas montanhas são reveladas através das vozes dos avós, da mãe, da irmã e dos tios.
A peça é tecida entre recordações, factos e ficção, prestando uma homenagem aos antepassados de Handke. Ao mesmo tempo, Handke ilumina certos eventos muitas vezes obscurecidos pela História através da autodescoberta. O título deriva de uma citação da didascália de Rei Lear, de Shakespeare - «Storm Still». Este título encapsula a visão do autor sobre a continuidade do passado no presente e sobre a persistência das vozes ancestrais que ele procura fazer ouvir. Afinal, tal como acreditam os egípcios, as pessoas morrem duas vezes. A primeira morte é física, quando se expira pela última vez, ou seja quando a alma sai do corpo. A segunda e final morte é simbólica, quando o nome do falecido é pronunciado pela última vez. Com isto, fala-se de quando a pessoa é esquecida. Eles crêem que o espírito só desaparece assim – e quer seja proposital ou não, Handke não quer permitir que o espírito da sua família desapareça, marcando-a então na mente da audiência.
As cortinas do Teatro caem e o eco das vozes ancestrais permanece, lembrando todos de que a tempestade do passado ainda ressoa nos corredores da memória coletiva, pronta para ser ouvida por aqueles que se dispõem a escutar.
Editado por Inês Cândido
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